Aguçadoura_Nov07-022
Gestão e áreas marinhas protegidas

A recuperação de populações exploradas em AMP e áreas adjacentes é um dos vários benefícios que esta proteção pode originar, em conjunto com os relacionados com a conservação, a educação, a ciência, o turismo e a recreação (Roberts e Polunin, 1991; Dye et al., 1994; Gubbay, 1995; Palumbi, 2001). No caso particular dos litorais rochosos (habitat dominante nas AMP oceânicas implementadas no PNSACV), Thompson et al. (2002) consideram que estes habitats são menos vulneráveis que muitos outros habitats aquáticos, devido à dureza do seu substrato, à relativa ausência de estruturas biogénicas (como as que existem, por exemplo, em recifes de coral, sapais e campos de fanerogâmicas marinhas) e ao facto de serem sistemas abertos. Apesar dos litorais rochosos estarem sujeitos a severos impactes antropogénicos, como a exploração de recursos vivos, a recuperação das suas comunidades pode ser bastante rápida após a cessação de tais impactes, com base no recrutamento natural de larvas ou propágulos algais, que podem ser provenientes de locais menos perturbados, mesmo que sejam relativamente distantes (Hawkins et al., 1999). Assim, desde que persistam algumas populações saudáveis, por exemplo em AMP, Crowe et al. (2000) consideram que a gestão de litorais rochosos com vista à recuperação de locais perturbados tem uma razoável possibilidade de ser eficaz.

Nas AMP portuguesas existem problemas de escassez de regulamentos ou desrespeito pelos existentes, e de ineficácia de controlo e fiscalização por insuficiência de meios logísticos e humanos (no caso dos Açores, ver Santos et al., 1995; a nível nacional, ver Kelleher et al., 1995). Esta situação pode ser devida ao facto de o conceito de AMP ser relativamente recente, mas sobretudo ao facto de que a exploração de recursos vivos marinhos é uma atividade tradicional e bastante difundida em todas as regiões do país, nomeadamente nas litorais (Costa e Franca, 1982; 1985; Raffaelli e Hawkins, 1996; Franca et al., 1998; Castro et al., 2000; Castro, 2004, 2007; Castro e Cruz, 2009), onde está concentrada a maioria da população humana (INE, 1992).

Deste modo, só o aumento da consciência ambiental e da sensibilidade ecológica da população humana portuguesa poderá melhorar este panorama. Esta necessidade é maior se estas medidas de conservação condicionarem atividades com importância económica e/ou tradicionais, como é o caso das relacionadas com a exploração de recursos vivos da costa alentejana (Castro, 2004, 2007) e da restante faixa marinha do PNSACV (Baptista, 2001; Jesus, 2003). Com efeito, um dos princípios estratégicos para a implementação de AMP, e que se pode considerar virtual e universalmente aplicável, é de que o seu sucesso só é possível se as gentes locais forem diretamente envolvidas nos respectivos processos de seleção, estabelecimento e gestão (Kelleher e Kenchington, 1992; Beaumont, 1997). A eficácia deste envolvimento poderá ser maior com uma boa organização ou associação dos utilizadores locais (Odendaal et al., 1994; Wells e White, 1995; Castilla, 2000), tanto comerciais como lúdicos, que é ainda pouco desenvolvida na costa alentejana.

Esta partilha de responsabilidade também pode e deve ser aplicada à gestão de recursos pesqueiros, atendendo a diversos casos bem sucedidos de cogestão deste tipo de recursos (por exemplo, Castilla, 2000, Castilla e Defeo, 2001, Molares e Freire, 2003; ver revisão de Odendaal et al., 1994). A exploração galega de percebe é um bom exemplo desse sucesso: depois dos stocks locais terem sido severamente depauperados, foram tomadas fortes medidas de conservação a partir de 1970, cujo cumprimento não foi generalizado, e a elevada procura comercial deste crustáceo foi parcialmente satisfeita por importação; no início da década de 80 do século passado, começaram a ser aplicados planos anuais de recuperação e exploração, baseados em conhecimentos biológicos entretanto adquiridos, que tiveram êxito e começaram a ser aplicados mediante cogestão a partir de 1992, estendendo-se actualmente a diversas zonas da costa galega; este sistema foi iniciado com a implementação de TURF (“territorial user rights for fishing”), mediante a partilha da responsabilidade da exploração entre associações profissionais de apanhadores de percebe e autoridades governamentais (Goldberg, 1984; Molares, 1994; Molares e Freire, 2003).

Num estudo efetuado com base em inquéritos lançados a associações ambientalistas europeias, Andersson et al. (2003) referem a ausência de estratégia para a protecção do ambiente marinho em Portugal, cujas AMP criadas em 1998 (Parque Natural da Arrábida e Reserva Natural das Berlengas) não possuem planos de gestão. No mesmo trabalho, Portugal foi agrupado com a Dinamarca, Espanha e França, cujos recentes esforços de proteção do ambiente marinho foram considerados reduzidos, em comparação com as restantes nações costeiras do Atlântico nordeste. Tal como referem Meir et al. (2004), os investimentos na conservação são restringidos por orçamentos e as oportunidades de implementar ações de conservação tendem a ser imprevisíveis, tanto no espaço como no tempo. Segundo os mesmos autores, isto faz com que a implementação de reservas em rede seja um processo sequencial que pode levar décadas para atingir objetivos de conservação, sendo entretanto perdida alguma biodiversidade e alterada a geografia das paisagens naturais e dominadas pelo Homem.

A gestão e conservação destes recursos e habitats são processos muito complexos que exigem seguramente a realização de mais estudos, não só sobre as atividades de exploração dos recursos vivos do PNSACV e o seu impacte ecológico, mas também sobre a componente social e económica destas actividades. Com base nos resultados destes estudos, seria útil que fossem analisadas novas propostas de gestão destas actividades de exploração humana, aproveitando a experiência obtida noutras zonas costeiras que se deparam com os mesmos problemas, como a sul-americana, a sul-africana e a galega (Attwood et al., 1997; Cockcroft et al., 2002; Harris et al., 2002a, 2002b; Castilla, 2000; Castilla e Defeo, 2001; Molares e Freire, 2003), de modo a que esta gestão seja um processo adaptativo e integrado, e permita a corresponsabilização dos utilizadores e gestores.



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